Resumo
O fenómeno dos incêndios florestais na interface urbano-florestal (IUF) tem vindo a assumir dimensão relativamente ao número total de incêndios. No Verão de 2009, no concelho de Baião ocorreram incêndios que se caracterizaram pela sua violência e que se aproximaram de áreas edificadas numa realidade sem precedentes. Com o intuito de compreender a relação entre a população e os incêndios foram aplicados dois inquéritos, um nas freguesias do concelho e outro na área afectada pelo incêndio de Eiriz em 30 de Agosto.
Introdução
Actualmente, os espaços rurais são multiformes e diversificados, que não se resumem apenas à actividade agrícola e florestal, e que nas últimas décadas têm apresentado um conjunto de dinâmicas de mudança. Esta nova realidade deve-se a duas situações: a primeira prende-se com o crescimento das áreas urbanas para as suas periferias e também a procura das áreas rurais e florestais como espaços de lazer. A segunda situação, deve-se aos processos de despovoamento, relacionados com a incapacidade de mobilização dos agentes económicos para a criação de emprego nestas áreas.
O concelho de Baião apresenta um quadro geográfico e social de um território marginal de montanha, de baixa densidade demográfica e funcional, com baixas qualificações, envelhecido, onde os processos de despovoamento contribuem para alterações na paisagem que os incêndios florestais se manifestam. Com efeito, as alterações na ocupação e uso do solo observadas, revelam uma diminuição das áreas agrícolas, consequência do seu abandono, e o aumento das áreas florestais, o que dá origem as novas áreas de IUF que pelas suas características expõem, na maioria das vezes, esta população pouco resiliente, à manifestação de incêndios florestais.
O incêndio de 30 de Agosto de 2009 em Eiriz percorreu uma área fortemente humanizada e fragmentada consumindo 454 ha em cerca de 14 horas. Apesar dos incêndios florestais neste território serem recorrentes e de algum modo integrarem o quotidiano estival das populações, este incêndio assumiu características inéditas relativamente à sua proximidade com as povoações confrontando-as com a necessidade de se protegerem a si e aos seus bens.
Comportamento da população perante os incêndios florestais
Inquérito à população residente no concelho de Baião. Da análise do uso das parcelas confinantes com as habitações dos inquiridos 21% encontram-se em situação de abandono das quais 14% são os proprietários das parcelas florestais e 7% das parcelas agrícolas.
As freguesias que os inquiridos consideraram representar maior risco de incêndio florestal são Teixeira (12,3%), Valadares (10,3%) e Campelo (9%). No entanto, existe uma grande dispersão de respostas e uma relação de proximidade entre as freguesias com maior risco de incêndio e a freguesia de residência. Relativamente à classificação do risco de incêndios florestal na freguesia de residência 12% respondeu muito elevado, 36% elevado, 32% moderado e também 12% reduzido (fig. 1). Apenas os inquiridos de Teixeira, Ovil, Campelo, S. Tomé de Covelas, Frende, Gôve e Valadares classificaram a sua freguesia com risco “muito elevado”.
O grau de resiliência da população é observado nas atitudes de prevenção e proteção que os inquiridos adotam antes e durante um incêndio florestal, respetivamente. Neste sentido cerca de 32% dos inquiridos referem que não tomam medidas de autoproteção, este valor é mais elevado junto da população masculina com mais de 55 anos de idade. Assim, dos inquiridos que afirmaram tomar medidas de autoproteção, 87% limpam a vegetação em redor da casa, em alguns casos mesmo quando não são proprietários desses terrenos, 63% possuem um sistema de rega ou de extinção de incêndios, 52% evita a acumulação de desperdícios e, por fim, apenas 14% elimina as sebes naturais (fig. 2).
Quando confrontados com um incêndio florestal a aproximar-se da sua habitação, 6% dos inquiridos afirmaram não fazer nada, nomeadamente a população mais idosa, enquanto 82% chama os bombeiros, 1% observa o incêndio, 21% fecha a sua habitação e protege os bens, e 46% protege os bens e auxilia no combate.
Figura n.º 1
Figura n.º 2
Figura n.º 3
Inquérito à população afetada pelo incêndio de Eiriz
A população afetada pelo incêndio de Eiriz demonstrou alguns valores díspares relativamente aos encontrados no concelho. Aqui, verificaram-se percentagens mais elevadas de residentes com menos de 5 anos e entre 5 e 10 anos no lugar atual (30%).
Apesar de apenas 10% dos inquiridos classificarem a freguesia de residência com risco de incêndio florestal muito elevado, 78% toma medidas de autoproteção, em que 83% limpam a vegetação em redor da habitação mesmo quando não são proprietários do terreno (21%), 29,8% evitam a acumulação de desperdícios, 70% possuem um sistema de rega ou de extinção de incêndios e 12,8% elimina as sebes naturais.
Quando um incêndio florestal se aproxima da habitação, 13,3% dos inquiridos não faz nada, 73,3% chama os bombeiros, 1,7% observa o incêndio, 31,7% fecha a habitação e protege os bens e 60% protege os bens e auxilia no combate. Existem ainda 5% dos inquiridos que tomam outras medidas como molhar a habitação e a sua envolvente. Neste incêndio em 86,7% dos casos o fogo aproximou-se de infraestruturas, tendo mesmo atingido 5,8% das habitações. Em mais de metade dos casos o incêndio esteve a menos de 25 metros de distância, em 26,9% entre 25 e 50 metros, em 3,8% entre 50 e 100 metros, em 11,5% a mais de 100 metros.
Perante o desenrolar do incêndio, 31,7% dos inquiridos não fizeram nada, 23,3% chamou os bombeiros, 15% observou o incêndio, 50% fechou a sua habitação e protegeu os seus bens, 20% protegeu os seus bens e auxiliou no combate e 6,7% auxiliaram os vizinhos e molharam a habitação. Aqui, podem-se verificar algumas disparidades entre aquilo que os inquiridos intencionam fazer e o que efetivamente fazem quando se deparam com um incêndio florestal a aproximar-se da sua habitação. De facto, a percentagem de pessoas que não faz nada é muito superior, bem como a de observação do incêndio. Por outro lado, a percentagem de pessoas que ajuda no combate, é de apenas de um terço (fig. 3).
Conclusão
Na possibilidade da existência de uma fraca cultura de segurança ou mesmo a inexistência desta, assim como, a pouca preparação e sensibilização das populações em termos de prevenção e proteção, torna-se difícil inverter a tendência que se adivinha no agudizar de situações de incêndios na IUF. Verifica-se o progressivo abandono das explorações agrícolas e florestais, ainda que de forma mais evidente no segundo caso, pois ainda são muitos os proprietários que exploram pequenas hortas, para autoconsumo.
Neste sentido, torna-se necessário dotar os cidadãos e principalmente todos os que percorrem estas áreas, e que se encontram expostos ao risco de incêndio, de informação suficiente que os capacite a decidir e agir em situação de emergência.
O mesmo se processa ao nível do conhecimento dos fatores desencadeantes que levam as habitações e outras infraestruturas a serem vulneráveis a incêndios na IUF, e que se tomem medidas de autoproteção adaptadas às especificidades locais, como a limpeza de vegetação em torno das infraestruturas e a não acumulação de lixo e outros desperdícios nas imediações, dotar os equipamentos mais expostos, nomeadamente indústrias e habitações inseridas em manchas florestais de sistemas de proteção exteriores para incêndios florestais.
É pois necessária uma melhor preparação e sensibilização à população que conduza a uma maior perceção de risco e por isso a uma mudança comportamental, mais preventiva e protetiva.
Bibliografia
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