O presente artigo consiste numa reflexão sobre a perceção e aceitabilidade social do risco numa perspetiva sociológica. A noção de risco acompanha o ser humano desde sempre, tendo o conceito evoluído a par da evolução humana e do desenvolvimento das sociedades. Se numa primeira fase os riscos eram exclusivamente naturais, logo surgiram novos riscos resultantes da atividade humana e da evolução tecnológica, que atualmente designamos de riscos emergentes. A reflexão patente neste artigo baseia-se no pressuposto que o risco é socialmente construído e é fundamental entender como o processo se desenrola (Areosa, 2008). Podemos definir risco como «a possibilidade de que um estado indesejável da realidade possa ocorrer como um resultado de um evento natural ou da atividade humana» (Gonçalves & Gonçalves, 2004, p. 2). Ao quantificar-se o risco, através do conceito de probabilidade, cria-se a ilusão de que é possível prever coisas, prevenir, possibilitando, por exemplo, a adoção de medidas que vão evitar os acidentes, isto é, a ilusão da possibilidade do efetivo controlo técnico sobre o aleatório. O conceito de risco associa-se à noção de incerteza, à forma como lidamos com a ameaça e o inesperado (Granjo, 2004). A incerteza é uma das dimensões do risco, no sentido em que aquilo que pode acontecer pode, ou não, vir a tornar-se realidade (Areosa, 2008). Na conceção desta ideia atende-se à perspetiva de que ao assumir-se exclusivamente, ou primordialmente, o conceito probabilístico de risco, geram-se novos perigos, resultantes de um falso sentimento de controlo sobre o aleatório e às atitudes que tal induz e legítima, tornando-nos desta forma responsáveis pelos efeitos negativos «sobre a segurança do público e sobre a capacidade deste para exigir e aplicar princípios de precaução, na sua relação com os perigos tecnológicos» (Granjo, 2006, p. 1178).
Alguns estudos relativos ao risco têm-se baseado nas seguintes premissas:
1) Abordagem a uma escala coletiva, em detrimento da individual;
2) Foco no planeamento e gestão, traduzindo-se em políticas e ações que não consideram como as populações percecionam e experienciam os riscos (resultando em muitos casos no fracasso dessas políticas e ações);
3) Foco direcionado a um espaço e tempo distintos, ou seja, faz-se uma análise localizada das dinâmicas envolvidas (de origem natural, social ou tecnológica) sem se estabelecer uma ligação com as macroestruturas sociais ou culturais (Júnior & Hogan, 2004).
As preocupações dos leigos juntam à análise do risco outras dimensões, designadamente:
É o risco controlável?
Individual ou colectivo?
Justo ou injusto?
Conhecido ou desconhecido?
São as suas consequências imediatas ou de longo prazo?
Como afirma Ulrich Beck, no âmbito da sociologia de risco, os riscos tornam-se reais nas avaliações contraditórias de grupos e populações (citado em Motta, 2009). O estudo do risco e da Sociedade de Risco desenvolveu-se a partir da década de 80, colocando-se o risco no «próprio mecanismo de produção social» (Júnior et al., 2004, 1). A sociedade de risco exige uma abertura no processo de decisão. Emerge o paradigma da hipótese da cautela, ou seja, o princípio da precaução passa a ser uma questão – chave dos processos de decisão e da ética da responsabilidade. O princípio da precaução pressupõe maior responsabilidade e responsabilização, correlacionada com o poder, tornando mais sólida a obrigação de segurança, justificando que seja preservada a responsabilidade civil perante os riscos de desenvolvimento, baseando-se numa estrutura que compreende a avaliação, a gestão e a comunicação do risco, o que implica a reorganização de redes científicas e sociais. É um paradigma de segurança sob formas renovadas que incluem as novas pressões culturais (Gonçalves et al., 2004). As preocupações dos leigos juntam à análise do risco outras dimensões, designadamente: «é o risco controlável? Individual ou coletivo? Justo ou injusto? Conhecido ou desconhecido? São as suas consequências imediatas ou de longo prazo? Podemos confiar na avaliação dos políticos tal como nas dos experts?» (Slovic, citado em Gonçalves et al., 2004, 4). Na abordagem sociológica atende-se ainda à dualidade risco-cultura, considerando-se que a cultura reporta à escala coletiva, enquanto a perceção do risco reporta à escala individual. É adotada uma perspetiva construcionista em que a cultura é considerada no seu sentido mais amplo, envolvendo «um conjunto de significados e vivências compartilhados e construídos coletivamente» (Júnior & Hogan, 2004, 5), entendendo-se os riscos como «artefactos sociais» produzidos pelos grupos sociais ou instituições (Hannigan, 1995, 128). Na perspetiva construcionista atende-se à perceção dos riscos pelas populações e ao papel da cultura no processo de construção e formulação desses riscos (Júnior & Hogan, 2004). A análise da perceção do risco revela uma maior facilidade das pessoas em lidarem com perigos que conhecem, que se sabe quando podem ocorrer, podendo dessa forma ser controlados, sendo o inverso também válido. As pessoas revelam-se também propensas ao risco quando os ganhos se revelam grandes e avessas quando estes são escassos (Irwin & Winne, citado em Gonçalves et al., 2004).
A sociedade de risco em que vivemos delega em cada um de nós, enquanto cidadãos, responsabilidade pela segurança e sobrevivência da humanidade. Urge incluir a perceção social dos riscos no processo de gestão dos mesmos, de forma a dotarmos as nossas decisões/ações de conhecimento e informações adequadas, que permitam prevenir, evitar e promover ações isentas de risco. Para tal, é fundamental incluir o cidadão comum no debate e processo decisório, seja ele a nível académico, económico ou político, contribuindo-se desta forma para a construção de uma sociedade que exige e aplica princípios preventivos na sua relação com o perigo.
Bibliografia
Areosa, J. (2008). O risco no âmbito da teoria social. Comunicação apresentada no VI Congresso Português de Sociologia. Recuperado em 2011, Outubro 12, de http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/323.pdf
Gonçalves, A. & Gonçalves, C. (2004). Da perceção à gestão do risco – abordagem interdisciplinar. Atas dos ateliers do Vº Congresso Português de Sociologia. Recuperado em 2011, Outubro 12, de http://coimbra.academia.edu/CarmenDiegoGon%C3%A7alves/Papers/1017348/Da_percepcao_a_gestao_do_risco_abordagem_interdisciplinar
Granjo, P. (2004). Há uma cultura de risco?. Recuperado em 2011, Dezembro 15, de http://www.fflch.usp.br/df/caf/sites/default/files/Cultura_do_Risco_0.pdf
Granjo, P. (2006). Quando o conceito de «risco» se torna perigoso. Análise Social, vol. 181, 1167-1179.
Hannigan, J. (1995). Sociologia Ambiental – A formação de uma perspetiva social. Lisboa: Instituto Piaget
Júnior, M. & Hogan, D. (2004). O Risco em perspetiva: Tendências e abordagens. Revista Geosul, v. 19, n. 38, 25-28. Recuperado em 2011, Outubro 10, de http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/13431
Motta, R. (2009). Sociologia de risco: globalizando a modernidade reflexiva. Sociologias, 22, 384-396. Versão Eletrónica. Recuperado em 2011, Outubro 10, de http://seer.ufrgs.br/sociologias/article/view/9653/5524