O CONTEXTO DA AGRO-INDÚSTRIA
A fileira agro-industrial é bastante específica no universo industrial. Ela processa produtos de origem animal e vegetal, desde a sua criação ou sementeira, passando pelo transporte, produção, embalagem, armazenamento, comercialização e distribuição do produto final. No que respeita a matérias de segurança no trabalho, a agro-indústria terá talvez três características que a diferenciam dos restantes grupos industriais:
1) a sazonalidade de produções,
2) a perecibilidade das matérias-primas, e
3) os requisitos de higiene e qualidade alimentar.
Neste tipo de indústria, os picos de actividade acontecem de acordo com o ciclo natural de crescimento e maturação das matérias-primas. Esta sazonalidade de produções leva-nos, em primeira instância, à questão da especialização da mão-de-obra. Obviamente que a empresa não se pode dimensionar para ter nos seus quadros o efectivo máximo necessário ao pico de actividade. Porque este, muitas vezes será apenas de um ou dois meses e o número de colaboradores nessa fase, será muito superior às necessidades da empresa nos restantes meses. Pelo que parte da mão-de-obra é contratada sazonalmente, o que nos leva à questão da formação que essa mão-de-obra, possa, ou não ter, em termos de higiene e segurança no trabalho. Não se pode exigir o mesmo nível de especialização a um colaborador efectivo da empresa e a um trabalhador sazonal. O desafio que se coloca à empresa é o de formar de forma eficaz o colaborador sazonal, para que este, no mais curto espaço de tempo, possa integrar o posto de trabalho, se possível já perto do seu máximo desempenho e com bons conhecimentos no que respeita à higiene e segurança. A matéria-prima agrícola ou é processada no timing certo, mantendo as suas propriedades nutritivas e organolépticas ou, passado esse timing, perderá características fundamentais e já não poderá ser aproveitada, acarretando essa perda elevados custos. A ameaça dos custos de degradação de matéria-prima induz um factor extra de pressão sobre os colaboradores. Essa pressão se não for bem gerida, pode traduzir-se em acidentes graves.
A perecibilidade de matérias-primas, associada à sazonalidade de produções, conduz também no pico de actividade, à entrada de grandes quantidades de produtos na indústria. Resultando no cruzamento de vários fluxos de entrada e saída de pessoas e máquinas, internas e externas à organização, que também serão um factor extra de acidentes. Com a produção sazonal, ocorre o perigo da empresa assumir duas posturas culturais diferentes ao longo do ano. Enquanto que nos períodos de fraca intensidade agrícola, escasseiam as matérias-primas e o ritmo de trabalho pode abrandar, durante o pico máximo de actividade, o trabalho intensifica-se bastante. De facto, a perecibilidade das matérias-primas e a complexidade do processo, tornam a gestão da produção bastante mais difícil e uma situação propícia a pressão. Estes dois cenários diferentes ao longo do ano, podem propiciar duas “culturas” diferentes, uma mais intensa e outra mais ligeira. Estas mudanças de comportamento do grupo, consoante a intensidade do trabalho, são um desafio para a abordagem a adoptar, no que respeita à segurança. Dentro deste tipo de indústrias, os padrões de exigência de higiene alimentar são bastante elevados, conduzindo a lavagens e desinfecções frequentes da infraestrutura produtiva. Este facto pode afectar a segurança no trabalho, por exemplo ao nível de possíveis acidentes devido a pavimentos escorregadios, riscos químicos e térmicos associados ao manuseamento de produtos de lavagem e desinfecção ou a utilização de águas perto de equipamentos eléctricos.
“EU JÁ FIZ ESTA TAREFA MILHARES DE VEZES E NUNCA TIVE UM ACIDENTE”
Para além das características específicas de uma agro-indústria, existem todos os outros riscos e factores que afectam a segurança e que podem ser considerados transversais a qualquer tipo de indústria. Estes podem ser, por exemplo, os comportamentos que um determinado grupo assume em relação ao trabalho que realiza. “Para quê demorar 10 minutos a ir buscar uma plataforma elevatória para realizar um trabalho em altura, se o próprio trabalho em si demora apenas 10 segundos a realizar?”. Existe a ideia errada, de que se só estamos expostos a um risco por um curto período de tempo, então estamos seguros e não precisamos de tomar cuidado. É preciso relembrar que a exposição a riscos por um período de tempo muito breve não nos torna imunes a esse risco. Mas um trabalhador que viva diariamente com um dado risco, já não o percebe como tal. Esta falsa percepção, torna-se ainda mais grave quando associada ao conceito do “facilitismo”. Por exemplo, a realização de um trabalho a uma altura superior a três metros, para o qual é necessário um meio de acesso em altura, e em que o próprio trabalho é tão simples como apertar um parafuso, que por si só não demoraria mais do que dez segundos. Todos compreendemos a tentação, de alguém, que está a trabalhar perto de um empilhador, de subir directamente para os “garfos” deste, pedindo a um colega para o elevar para realizar a tarefa. No entanto uma vez lá em cima, a três metros de altura, uma mão precisa de segurar no parafuso e a outra na chave, faltando aqui uma mão para o apoio que permita o difícil equilíbrio a três metros de altura, em cima dos “garfos” do empilhador, que não terão mais de dez centímetros de largura. Ou seja, para evitar investir algum tempo a ir buscar um meio seguro de trabalho em altura, o trabalhador decide arriscar a sua vida, numa queda de três metros, apenas por... “facilitismo”. Os acidentes vão continuar a acontecer enquanto a percepção que os trabalhadores têm dos seus riscos for inferior aos seus riscos efectivos. O medo que uma pessoa possa ter de sofrer um acidente, não é suficiente para a motivar a trabalhar de um modo mais seguro. Certas tarefas de trabalho estão de tal maneira interiorizadas, que já são feitas de forma “automática” e quanto mais rotineiras, mais o colaborador ignora os riscos a que está sujeito, que com o passar do tempo vão parecendo características banais da tarefa e não riscos efectivos.
Algumas soluções:
- Promover a consciencialização colectiva;
- Colocar o tema da segurança em destaque nas reuniões, por exemplo colocá-lo no início das mesmas;
- Definir os objectivos da segurança;
- Comunicar os objectivos de forma clara;
- Divulgar esses objectivos, de forma a que todos os conheçam e os apreendam, ou seja, torná-los visíveis.
UMA CONSCIENCIALIZAÇÃO COLECTIVA
É difícil, perante a conjuntura económica actual, encontrarmos chefias que ponham a segurança na sua agenda diária. De facto, é frequente encontrarmos, mesmo entre chefias, o discurso recorrente: “Segurança?... Isso é com o responsável da segurança”.
Uma das primeiras batalhas é a da consciencialização do grupo de qual a “situação de partida”, como está a sua “maturidade” a nível de segurança. E a posterior consciencialização colectiva da importante diferença entre “comportamentos inseguros” e “condições inseguras”. O que acontece frequentemente é a ideia errada de que “os acidentes só acontecem aos outros”. Esta afirmação é o melhor exemplo de que em termos culturais, continuamos a encarar os acidentes como resultando de condições inseguras e raramente como resultando de comportamentos. Mais ainda, a “culpa” de um acidente é frequentemente sentida pelo trabalhador, como sendo da empresa, que não teve as preocupações necessárias para melhorar as suas condições de trabalho. Ou seja, a “culpa” dum acidente é sempre do chão escorregadio e não do acidentado que ia a correr nele. Ou também da “escada que só tem um corrimão”, quando o acidentado a descia com objectos em ambas as mãos e sem utilizar o corrimão.
Uma das primeiras dificuldades na mudança comportamental, está precisamente na aceitação, que independentemente das melhores ou piores condições de trabalho, a maior parte dos acidentes podem ser evitados, se adaptarmos o comportamento seguro às condições de trabalho. Enquanto a melhoria das condições no trabalho, exige a compra de materiais e por isso, é mais difícil de justificar a um gestor; a mudança de comportamentos é grátis e só depende do interesse do grupo de trabalho. Assim com um investimento próximo do zero, podemos melhorar muito os rácios de segurança, basta que a actuação se centre na mudança de comportamentos.
«(...) os custos de degradação de matéria-prima induz um factor extra de pressão sobre os colaboradores. Essa pressão pode traduzir-se em acidentes graves.»
O EXEMPLO VEM DE CIMA
Muitas tentativas de dinamizar um “programa de segurança” caem por terra, precisamente por não serem lideradas pelo exemplo. A lógica do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, não é um modo de vida aplicável à segurança. De facto, se há área onde somos rapidamente julgados e apontados pelos nossos pares em caso de incumprimento, é nesta. No discurso de muitas chefias a segurança é “o tema mais importante”. No entanto, em termos práticos, esta declaração de intenções não se concretiza. O desafio que se coloca às chefias é o de evoluírem de uma atitude reactiva para uma atitude proactiva. Em vez de investigar e lamentar os acidentes após terem acontecido, deve-se comentar a segurança, pô-la na ordem do dia, para evitar o acidente. É crucial passar às chefias a mensagem: “Como chefia, preocupar-me com a segurança dos meus colaboradores é parte integrante das minhas funções, independentemente das minhas outras responsabilidades”. E passar a todos os colaboradores a mensagem: “A minha saúde e segurança no trabalho é algo muito importante na minha vida e não é algo que eu queira delegar no responsável de segurança”.
Um bom desafio que se coloca às chefias é o de começar todas as reuniões com o tema da segurança. Mais vale falar pouco do tema, mas pô-lo sistematicamente em primeiro lugar nas actas, do que dar-lhe muito ênfase na semana a seguir a um acidente e depois deixar perder a relevância nas semanas seguintes. Por mais difícil e atarefada que esteja a agenda, nunca cancelar ou adiar uma reunião cujo tema seja a segurança. É preferível fazer reuniões bastante sucintas, realizadas regularmente, do que fazer reuniões longas, que só funcionam nas primeiras semanas e que são rapidamente esquecidas.
A chefia deve também definir e comunicar os objectivos da segurança de forma bem clara e visível para todos. Não há que ter “medo” de assumir a situação actual, por mais difícil que seja. E desenvolver uma cultura de orgulho do efectivo, em torno dos seus rácios de segurança, recompensando o grupo quando se atinge um marco importante.
«Uma das primeiras batalhas é a da consciencialização do grupo (…)»
EM JEITO DE CONCLUSÃO
As agro-indústrias são uma fileira industrial bastante específica e com características e riscos muito particulares no que diz respeito à segurança. Apesar da sazonalidade, é desejável o assumir ao longo de todo o ano, uma mesma abordagem em relação à segurança, exigente na prevenção de acidentes e compatível com os objectivos produtivos. A derradeira batalha será a de “fazer ver” aos nossos gestores que o tempo e recursos investidos na segurança, não vão diminuir a produtividade. Pelo contrário, é ao fazer as coisas bem à primeira e sem acidentes, que se optimiza o rendimento produtivo. Em jeito de conclusão e voltando ao dilema “comportamentos inseguros” versus “condições inseguras”. Não quero ser mal interpretado e fazer passar a mensagem que não se deve investir em melhorar as condições inseguras de trabalho. Afirmo sim, que em tempos de crise económica, a aprovação, por parte dos gestores, de investimentos de melhoria das condições inseguras não são fáceis. Enquanto que o investimento em corrigir comportamentos inseguros é grátis e é aqui que conseguimos reduzir a esmagadora maioria dos acidentes de trabalho.